terça-feira, dezembro 05, 2006

Nada Mais, Só Silêncio

E de repente já não se precisa de nada. Não precisamos de nada porque nada serve. Um curso não serve, um trabalho não serve, uma roupa não serve... tão pouco o dinheiro. Porque ele efectivamente não compra nada. Rigorosamente nada. Nem saúde. Ele serve para termos a desculpa de inventarmos necessidades e desejos, para colmatar falhas que julgamos serem a desculpa da nossa miserável condição: a de simplesmente existir.



Amanhã faz uma semana que nasceu a Mariana. A esperada e desejada filha da minha colega de trabalho. A mãe da minha colega liga para dar a notícia. Tinha o sol na voz, e dizia “já nasceu, sou avó de uma menina linda. Foi um parto normal, nasceu às 13h30 e é perfeita. E está tudo bem com a Cecília.”

No dia a seguir, soubemos a notícia que mais parece ser uma mentira. “A menina está mal, vai ter que ir para a Estefânia.” Entro em choque. Não quero acreditar. Mil e uma perguntas aparecem na minha cabeça, e todas elas temem ver-se respondidas. Porque se forem, é demasiado real. Penso imediatamente que a informação que me estava a ser transmitida não tinha fundamento. Ligo à Carla, a minha amiga enfermeira, e ela diz-me o impensável: “Ia ligar-te Telma. Mas percebo que já sabes. A filha da tua colega está mal e o prognóstico não é bom. A situação está a evoluir de uma forma muito rápida. É um tumor cerebral que está a crescer em exponencial. Não há forma de o travar.”

De imediato tinha a evidência, a prova cientifica a martelar nos meus ouvidos. Já não havia perguntas objectivas. Começaram a soar os porquês. A baterem ruidosamente na minha cabeça.

Apetece-me chorar. Vivi a gravidez todo este tempo e não me apercebi. Vi a barriga crescer, os vídeos da bebé a mexer-se na barriga da mãe, vi as fotos a três dimensões, vi a vida a crescer… Era um dado adquirido que estava tudo perfeito.

E num espaço de 10 horas a felicidade toma a forma do seu extremo oposto. A tristeza, a angústia e a dúvida enchem a mente e o coração. Mesmo sabendo dos dados, a esperança não desaparece. Até ontem. Faleceu. Já não há nada a fazer. De um momento para o outro um sonho foi rasgado, retirado à força, partido...

Em cada passo que dou questiono Deus, a Vida, o Universo, a Existência. E penso que nada disso existe.

Até hoje não consegui ir ter com ela. Sou uma cobarde. Invento mil e uma desculpas e não consigo ir, estou à porta e não consigo subir. Digo a mim mesma que envio a energia positiva até ela. Digo também que se lá chegar vou desatar a chorar e não quero fragiliza-la mais. Digo isso e muito mais. Não há nada que possa fazer, mas gostava de lhe dizer que não podendo fazer nada, estou disponível para dar a mão, estar em silêncio e ouvir o que não há para dizer.

3 comentários:

Anónimo disse...

Concordo com o Tiago. Não creio nem que sejas cobarde nem que não haja nada que possas fazer.
Não acho que não sejas cobarde porque também tenho uma reacção muito parecido e não me acho cobarde. Penso que simplesmente ficamos à espera de perceber o que realmente aconteceu para podermos melhor ajudar quem gostamos. E como perceber significa assumir que realmente aconteceu o que não queríamos que tivesse acontecido adiamos o assumir do facto e em consequência o ir falar com a colega.
No entanto recentemente faleceram do mesmo mal (tumores) dois irmãos de um meu colega de trabalho com que me dou muito bem. Por norma ia aos funerais mas não falava com os colegas para não os fragilizar mais. Mas neste caso fui dar um abraço. E então percebi que não é preciso dizer nada, basta estar lá. Basta oferecer o calor do nosso ombro durante o tempo necessário. O resto surge naturalmente. As palavras são o secundário.
Estas ocasiões fazem-nos questionar sobre o porquê de quase de tudo mas essencialmente porque estamos aqui, porque existimos. Será que existimos para morrer. Será que como dizem os biólogos apenas existimos para melhorar o DNA da espécie?
No entanto existimos. Eu existo, tu existes e a Cecília existe.
E podemos fazer algo enquanto existimos.
Confortar, alegrar e fazer ver que "depois da tempestade vem a bonança". Daqui a uns anos certamente vai ser possível ver-te a brincar com um novo bebé da Cecília. E embora a perda deste filho não se apague dilui-se nas alegrias dos risos do bebé.

Anónimo disse...

Estás nas minhas orações. Sei que não és cobarde.

Anónimo disse...

mundos distantes, realidades diferentes,seres que ignoram um presente projectando-se num futuro...tudo tao simples, tudo tao complexo...coragem... cobardia...palavras bipolares, significados diferentes...a existencia sao como palavras xeias de contradiçoes, as vivencias sao como frases cheias de simplecidades e de complexidades...Telma havera maior coragem do aquele(a) que consegue exprimir realmente o que sente perante as adversidades da vida, perante a força dos sentimentos e emoçoes?........

bejoka
jp