segunda-feira, maio 22, 2006

Dias Cinzentos



Apetece-me escrever. Só não sei sobre o quê. Até na escrita se reflecte o meu estado actual: uma melancolia que se instala, que se encosta e que se perde na minha sombra. Apetece-me gritar por socorro. Apetece chorar-me e mergulhar na dor. Apetece-me ser alguma coisa que não eu.

Não, afinal não me apetece nada disso. Afinal gostaria de ser eu. Quero ser aquilo que nasci para ser, e já! E não venham com merdas de ensinamentos que ainda estou na preparação daquilo que nasci para ser. Não acredito em tal coisa, não existe tal coisa. Ou somos ou não somos aquilo que nascemos para ser, não há preparação para tal coisa. Ou somos ou não somos. Ou estamos no caminho que é um reflexo daquilo que somos ou não estamos. E eu não sou aquilo que deveria de ser. Sou um espectro que vive na sombra daquilo que poderia ser. Sou uma ferida aberta que não cura. Sou um estar que não está. Sou a pouca coragem que pede coragem. Sou a tristeza que pede alegria. Sou a vida que pede vida. Sou o sonho que pede que tome forma. Sou o sentir que pede para sentir mais. Sou a loucura que se pede loucamente sã. Sou o abismo que pede o salto.
Não sou nada.
Em todo o instante boicoto a entrada nesse estar que sou eu. E aí sim, acredito. Sim, a todo o instante temos o poder de escolher. E eu escolho estar miseravelmente perdida na dor e de não estar a ser eu como poderia ser.

E agora sim, vou gritar: "Socorro!!! … Salva-te de ti mesma."

Afinal, já não me apetece escrever.

7 comentários:

Anónimo disse...

É o conteúdo que torna o texto fenomenal.
É da fenomenalidade do conteúdo que o estilo nasce sem ter sido criado.

(Afinal, foste tu a causa espontânea desta reflexão. Aqui a tens.)

;)

Neptuna disse...

:D obrigado!!
Viva a esponteadade!!
E obrigado por comentares.. :P

Neptuna disse...

Eu tenho os meus momentos em que sou engraçada.. :D

Miguel d'Azur disse...

7

Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro

(Mário Sá Carneiro)

Estes “Dias Cinzentos” trouxeram um conjunto de temas bem interessantes. No mundo da escrita, mais especificamente na poesia, há inúmeros poetas a debruçarem-se sobre o seu estado de alma. Peguei, acima, no Sá Carneiro porque exemplifica bem todo o “estar” modernista, o eu e o outro, o tédio de ser, a melancolia, a dor, a tristeza etc…
Nestas poucas linhas deste vida a esse “estar poético”, que não tem nada de poético para quem o atravessa, mas que é sempre utilizado como fonte de energia criadora, à semelhança do que aqui fizeste.
Vou atrever-me a opinar sobre algumas questões bem interessantes que aqui apresentaste. Vou citar-te: “Ou somos ou não somos aquilo que nascemos para ser (…) Ou estamos no caminho que é um reflexo daquilo que somos ou não estamos.”
Vou começar por estas duas citações.
Na verdade, implicitamente falas de destino e da nossa forma de estar perante o destino. Somos ou não somos o reflexo do nosso destino? Será que nasceste para ser psicóloga? Ou será que, devido às vicissitudes do mercado laboral, ainda vais descobrir outros talentos teus e enveredar por uma carreira diferente daquela que inicialmente imaginaste. Acredito que todos nós, mais cedo ou mais tarde, descobrimos uma parte importante de nós, do nosso Eu, parte essa que nos aponta para um caminho possível. Mas será que é para esse caminho, para o qual “nascemos para ser”, que realmente caminhamos? Quem pode responder a essa pergunta? Eu, com certeza, não posso! No meu caso, posso intuir o que quero ser, porque o sinto dentro de mim. Mas daí a ter certezas… Eu gostaria de ser o que penso ter nascido para ser, mas isso não depende unicamente de mim. Isto significa que o destino está ligado a um conjunto de fios que cada um vai puxando: nós, os outros e, para quem acredita, uma força extrínseca à nossa vontade. Variáveis, eis um conjunto de variáveis aqui apresentadas. Há momentos em que todas essas variáveis confluem para um mesmo sítio. Há momentos em que, parafraseando Paulo Coelho, o universo conspira para a nossa realização. Tudo são momentos, recortes no tempo que se colam e descolam consoante as situações. Mas, sim, “a todo o instante temos o poder de escolher”, podemos escolher quem somos. Nas nossas vidas somos tocados por epifanias, que alteram a nossa percepção das coisas. Quando isso acontece podemos escolher um caminho diferente. A escolha é sempre nossa, boa ou má, nós é que decidimos onde e quando queremos levar o barco, mas quem tem a última palavra é o mar, que pode decidir não nos levar a lado algum ou a outro sítio que não tínhamos sequer equacionado.
Para concluir, penso que a melancolia, a tristeza, a raiva, e outros sentimentos são formas muito peculiares que a nossa alma tem para comunicar. Temos de lhe dar ouvidos e ajudar a transformar esses estares em luz, quiçá, através da escrita, onde a partilha chega tão longe quanto a nossa capacidade de sentir…

Abusei neste post: Sorry!

P.S O que é a dor? Porquê a dor? Será um alerta para algo que não está bem? Então isso significa que somos avisados: sinais? Se somos avisados então é porque nos podemos salvar, curar das nossas feridas brancas, as chagas da alma, tão misteriosas como a própria vida…
Apesar deste testamento não respondi a tudo o que queria. O texto dava para um ensaio. Acredita! :-)

Neptuna disse...

Engraçado, engraçado..

Este texto tem tido muitas "críticas" de quem me conhece.

Já me disseram "não gosto" e já me disseram "identifico-me profundamente com aquilo que escreveste". Quem me é mais próximo disse-me logo.. "fui ao teu blog e não gostei de ler aquilo que lá está escrito" ou então perguntaram-me se eu andava bem.

O que eu posso dizer é que para mim foi terapêutico. E é terapêutico de cada vez que releio o que escrevi.

E agora sou eu que te cito: “Eu gostaria de ser o que penso ter nascido para ser, mas isso não depende unicamente de mim”.

Sim, até poderá não depender unicamente de ti. Mas depende MUITO de ti. Depende da nossa capacidade de sermos criadores da nossa própria realidade. Aliás, diria até de outra forma, depende do grau de consciência em que nós sabemos que somos criadores da nossa realidade. Ou seja, o grau em que eu penso ser merecedora de determinada situação, vai estar em consonância com a realidade externa que se me apresenta. Assim, eu só posso ver até onde EU me permito ver. Bem… acho que me desviei daquilo que queria dizer..

É provável que existam também um conjunto de variáveis que possam afectar o nosso SER. Mas não sei se elas terão um impacto maior do que a realidade criada pela nossa mente… Eu acho que essas variáveis existem sempre, o que varia é o filtro com tu vês essa realidade, e essa mudança de filtro pode ser activada pelas tais epifanias que tu tão bem falas.

E concordo contigo, a nossa Alma comunica connosco. Esses estados anímicos poderão ser formas de ela nos dizer: “olha, eu estou aqui. Não me ouves? … quero falar contigo, tenho respostas àquilo que procuras.. porque não me ouves?” São sem dúvida sinais que precisam ser levados com grande consideração.

Há coisa de uns 4 anos que tinha deixado de escrever. A escrita tem sido uma forma de trazer luz àquilo que vive dentro. E tem sido delicioso este processo de aprender a escrever. Acho que posso afirmar com muita certeza que tem sido muito benéfico e enriquecedor ter criado este espaço onde a Neptuna fala daquilo que lhe vai na Alma… e assina por mim.

Bem, eu também acho que o teu comentário dava para um ensaio..

Tal como tu perdi-me naquilo que tinha como objectivo responder..

;-)

Miguel d'Azur disse...

Só queria sublinhar uma coisa importante que disseste e muito bem, a nossa realidade, ou aquilo que queremos para nós, depende muito da nossa vontade criadora, muito mesmo. Isso é e será sempre verdade.
A escrita é de facto uma óptima forma de terapia. Foi a maneira que encontrei para preencher um vazio “cheio”. Ou, antes, para esvaziar uma alma cheia do vazio que a atormentava…

Gostei da tua resposta. É interessante confrontar as nossas perspectivas porque acabamos por crescer...

Neptuna disse...

:)

Sim, também concordo..