Tudo passa, dizem.
Mas e tudo o que fica? Pergunto.
Porque não dizer: “vai ficar muita coisa, muita coisa, que possivelmente te irá acompanhar até ao último suspiro.”
Tudo passa?
É possível que muita coisa passe. A outras tantas coisas, possivelmente, acabamos por fechar os olhos para não as ver passar e para não as deixar abrir outras memórias.
É como abrir um frasco de memórias que cheiram e que sabem a hoje. E no entanto, já foram há tanto tempo.
Tudo passa? Ou tudo permanece guardado, com mais ou menos intensidade?
Será que essas memórias não ficam guardadas por escalas de cor, das mais coloridas às menos divertidas?
Se tudo passa, ficamos sem memória de nós mesmos. Se tudo passa, pouco aprendemos. Se tudo passa, não registamos nada.
A experiência que é minha, ou que já foi minha... É uma memória de paisagem verde, com cheiro de café amarrotado e um tapete vermelho de paixão.
É memória de música que foi tocada e que ainda toca e se propaga no espaço-tempo. Não passa.
Tudo numa caixinha de madeira que acumula o bilhete rasgado da primeira ida ao cinema, onde se acomoda o papel improvisado na mesa de café para escrever ‘Amo-te’, onde se prende a imagem, o cheiro e o sentimento do teu corpo nu colado ao meu.
É memória de cheiro, memória de amor, memória de ternura, memória de sentir...
É uma caixa de madeira que me acompanha e que de quando em quando abro para lembrar-me que sou capaz de amar com a intensidade de uma tempestade, a serenidade de um pôr-do-sol e a magia de quem descobre o amor pela primeira vez.
Não passa. É memória de mim que já não sou. Que fui porque só podia ser assim. É qualquer coisa que fez de mim o que sou hoje.