E de repente já não se precisa de nada. Não precisamos de nada porque nada serve. Um curso não serve, um trabalho não serve, uma roupa não serve... tão pouco o dinheiro. Porque ele efectivamente não compra nada. Rigorosamente nada. Nem saúde. Ele serve para termos a desculpa de inventarmos necessidades e desejos, para colmatar falhas que julgamos serem a desculpa da nossa miserável condição: a de simplesmente existir.
…
Amanhã faz uma semana que nasceu a Mariana. A esperada e desejada filha da minha colega de trabalho. A mãe da minha colega liga para dar a notícia. Tinha o sol na voz, e dizia “já nasceu, sou avó de uma menina linda. Foi um parto normal, nasceu às 13h30 e é perfeita. E está tudo bem com a Cecília.”
No dia a seguir, soubemos a notícia que mais parece ser uma mentira. “A menina está mal, vai ter que ir para a Estefânia.” Entro em choque. Não quero acreditar. Mil e uma perguntas aparecem na minha cabeça, e todas elas temem ver-se respondidas. Porque se forem, é demasiado real. Penso imediatamente que a informação que me estava a ser transmitida não tinha fundamento. Ligo à Carla, a minha amiga enfermeira, e ela diz-me o impensável: “Ia ligar-te Telma. Mas percebo que já sabes. A filha da tua colega está mal e o prognóstico não é bom. A situação está a evoluir de uma forma muito rápida. É um tumor cerebral que está a crescer em exponencial. Não há forma de o travar.”
De imediato tinha a evidência, a prova cientifica a martelar nos meus ouvidos. Já não havia perguntas objectivas. Começaram a soar os porquês. A baterem ruidosamente na minha cabeça.
Apetece-me chorar. Vivi a gravidez todo este tempo e não me apercebi. Vi a barriga crescer, os vídeos da bebé a mexer-se na barriga da mãe, vi as fotos a três dimensões, vi a vida a crescer… Era um dado adquirido que estava tudo perfeito.
E num espaço de 10 horas a felicidade toma a forma do seu extremo oposto. A tristeza, a angústia e a dúvida enchem a mente e o coração. Mesmo sabendo dos dados, a esperança não desaparece. Até ontem. Faleceu. Já não há nada a fazer. De um momento para o outro um sonho foi rasgado, retirado à força, partido...
Em cada passo que dou questiono Deus, a Vida, o Universo, a Existência. E penso que nada disso existe.
Até hoje não consegui ir ter com ela. Sou uma cobarde. Invento mil e uma desculpas e não consigo ir, estou à porta e não consigo subir. Digo a mim mesma que envio a energia positiva até ela. Digo também que se lá chegar vou desatar a chorar e não quero fragiliza-la mais. Digo isso e muito mais. Não há nada que possa fazer, mas gostava de lhe dizer que não podendo fazer nada, estou disponível para dar a mão, estar em silêncio e ouvir o que não há para dizer.